Um Bilhete Embaixo da Sua Porta
- Guilherme Almeida
- 4 de abr. de 2016
- 2 min de leitura

Se alguém realmente acha que as virtudes éticas ou intelectuais são um monopólio das pessoas com as quais ela se identifica do ponto de vista político... cuidado, é esta a arrogância que denuncia não só uma ignorância sem tamanho, mas também uma distância incomensurável da realidade. Aliás, o 'fascismo' (ah, como se tem abusado do termo!) é ambidestro, seu modo de funcionamento, como sua etimologia nos ensina, é, por definição, o 'feixe' (fasces): um coletivo de indivíduos reunidos em torno de um pensamento homogêneo e totalizante, que tem a pretensão de ser o único a responder a toda e qualquer demanda, engendrando, no extremo, até mesmo um vocabulário próprio e particular - uma novilingua, para lembrar o termo popularizado por Orwell.
Dando minha cara à tapa, eu acrescentaria:
1. O consenso jamais produziu algo de importante e extraordinário para a humanidade. O ajuste consensual só chega tardiamente e sua importância se dá na medida exata de um escopo muito restrito: apenas garantir que possamos continuar discordando sem nos destruirmos uns aos outros. Continuemos a discordar. O desentendimento é criador.
2. Uma condição de possibilidade para que a proposição 1 seja uma forma de viver e não de matar a vida é ser capaz de sustentar uma posição subjetiva - de cada indivíduo portanto - na direção de se reconhecer permanentemente incompleto, disposto a escutar o outro não por conta de um bom-mocismo aparente e inócuo - espécie de virtude teologal desajeitada - mas sim porque é esta uma das condições para se compreender cada vez melhor a trama espinhosa da realidade, frequentemente ardilosa e muito mais complexa do que os esquemas mentais e afetivos que podemos solitariamente acumular ou carregar convivendo apenas com afins. O desejo totalitário e o desejo epistêmico são inversamente proporcionais.
3. Uma dica prática: tenha um "inimigo" (civilizado e culto, jamais bárbaro e inculto) sempre ao seu lado. Os atenienses só puderam inventar a demokratia porque souberam reconhecer que eram os antidemocratas gregos aqueles que melhor apontavam os fundamentos (e as fragilidades) de um governo regido pela maioria sob o ponto de vista quantitativo - este cálculo diabolicamente inevitável, que sempre dá errado, é, contudo, o melhor que nós temos, pois é único que prevê sua autocorreção sem apelar a uma heteronomia.
4. É preciso afirmar com força que a filosofia é anterior a qualquer distinção entre esquerda e direita. O que ela pode e deve fazer no campo da Realpolitik é arguir de maneira cruel e implacável a dupla pretensão de qualquer narrativa política: do ponto de vista ético, sua pretensão em dizer por nós como deve ser a vida, almejando conduzir com exclusividade os vivos - cumpre a nós recusar essa delegação, mesmo que ela apele às mais "belas intenções" - e, do ponto de vista epistêmico, em cooptar a busca pela verdade - recusemos, mesmo que elas prometam reduzir momentaneamente nossas pequenas infelicidades.
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