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Maupassant, De Libera e Lapoujade: 3 leituras de férias

  • Guilherme Almeida
  • 20 de jan. de 2016
  • 3 min de leitura

:::As grandes paixões - Antologia de Guy de Maupassant::: Maupassant é um dos meus contistas prediletos, sempre que posso volto a ele. Insuperável nos contos curtos, secos, sem grandes reviravoltas ou desfechos inusitados. Um hiper-realismo estilístico que, paradoxalmente, torna a banalidade cotidiana algo que faz palpitar e perder o fôlego - tal é o efeito que seus contos invariavelmente produzem. Esta excelente e recente tradução de Leo Schlafman fez com que eu me sentisse lendo obras-primas como "Bola de Sebo", "O Máscara" e "Pensão Tellier" pela primeira vez.

::: Pensar na Idade Média - Alain De Libera::: De Libera provavelmente é maior arqueólogo vivo do pensamento medieval. Neste livro que se tornou referência mundial da área, publicado em 1991, ele demonstra, com ótimo manejo de fontes primárias, a gênese do tipo "intelectual" na Idade Média e desfaz simplificações rasteiras que povoam o imaginário acerca deste período de 10 séculos. Minha nota: desfazer tais simplificações históricas tem hoje também um inusitado efeito político, que provavelmente o autor não imaginou quando escreveu o livro. Refiro-me ao fato de que é também a partir de uma ou outra simplificação histórica da Idade Média que muitas vezes se requisita narrativas que justificam determinadas posições políticas, à esquerda e à direita. A erudição de De Libera não é vazia nem arrogante: ela tem a função de multiplicar os modelos e as tradições de laicidade, com o fôlego sincero de quem pluraliza o campo da História sem formações de compromisso prévias à análise dos fatos e dos documentos históricos marginais. Outra nota: a meu ver, este livro ampliou sua relevância atualmente, na medida em que parte dele é também dedicada a examinar e elucidar o importante papel dos árabes na Paris do século XII; além de terem preservado e traduzido todo o 'corpus aristotelicum' que servirá de base para a separação metodológica do terreno entre fé e razão, i.e., teologia e filosofia, dentro da escolástica cristã do ocidente, ironicamente, ao contrário do que vemos hoje, serão os árabes - os averroístas - que fornecerão elementos pioneiros e provocadores na reivindicação de uma cultura laica e tolerante na alta idade média. Em uma pequena digressão, De Libera inclusive defenderá que a escola francesa deveria possibilitar aos jovens franceses de origem islâmica um conhecimento mais acurado do quão fundamentais foram as narrativas moderadas internas à história do Islã para o próprio Ocidente; isto seria mais importante do que as querelas sobre a permissão do uso ou não do véu nas escolas (o livro é de 1991, lembremos; e De Libera não é bobo, sabe que não se resolve geopolítica em bancos escolares, mas se permite pensar o que é possível, mesmo que seja pouco, no que diz respeito à função do ensino de filosofia nas escolas secundárias). Enfim, o livro vai muito além desse ponto específico, apenas o cito pois toca em um exemplo que ressoa no panorama atual. Uma grande obra que traz aquilo que havia de extemporâneo na idade média para o que há de contemporâneo aos dilemas do multiculturalismo e, tão importante quanto, uma grande aula de como fazer historiografia filosófica a partir de fontes primárias, ao invés de repetir clichês calcados em fontes de segunda mão.

::: Deleuze, movimentos aberrantes - David Lapoujade ::: Senso comum e bom senso raramente conseguem ser mais do que uma imagem do pensamento decalcada de seu uso mais ordinário e trivial, capaz apenas de reconhecer a partir do que já se conhece. Incapazes, portanto, de penetrar na trama de um real que a eles escapa, pois nada deve às exigências e expectativas da consciência em fazer do futuro a reprodução dos instantes presentes que ela contrai.Tal é o nó-górdio do livro de Lapoujade, recém publicado e traduzido para o português pela N-1 Edições, razoavelmente claro em relacionar as insuficiências do senso comum e do bom senso a partir do modo como estes 2 usos do pensamento se sustentam perante o problema do tempo.


 
 
 

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